Vinho - Prazer em Degustar

Vinho - Prazer em Degustar

 

Ricardo Albergaria
 
 
 

    A degustação de um vinho deveria fazer parte da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Afinal de conta, todos deveriam conhecer um pouco desta técnica que é a degustação, para aproveitar o vinho em toda sua plenitude. No entanto, de forma incompreensível, se difundiu a idéia errônea e preconceituosa, de que somente alguns privilegiados poderiam ter acesso a esta prática. Os demais mortais estariam irremediavelmente condenados a apenas beber o vinho pelo resto de suas vidas (Arthur P. Azevedo). Degustar um vinho é, nas palavras de Emile Peynaud, um dos maiores enólogos da França, submetê-lo aos seus órgãos dos sentidos, analisando-o atentamente . Em outras palavras, degustar é beber com atenção.

    A degustação é dividida em três fases: a análise visual, a análise olfativa e a análise gustativa, nesta ordem obrigatoriamente. Antes de começar deve-se estar atento para a forma de segurar a taça, sempre pela base ou pela haste e nunca pelo corpo, para não alterar a temperatura do vinho e para não sujar a taça, dificultando sua visualização.

    A análise visual talvez seja a etapa mais negligenciada da degustação. Poucas pessoas param para apreciar a cor do vinho, deixando de descobrir as pistas visuais sobre a evolução, maturidade e teor alcoólico. A tonalidade de um vinho indica aproximadamente o seu grau de maturidade. De modo geral, podemos dizer que um vinho branco fica mais escuro com o envelhecimento e que os tintos ficam mais claros à medida que o tempo passa. Os vinhos brancos geralmente começam sua vida com cor amarelo-palha, evoluindo para amarelo-ouro e âmbar com o passar do tempo. Os tintos, pela presença do pigmento antociano, são de cor púrpura (roxo), quando jovens, evoluindo para vermelho-rubi, vermelho-granada e âmbar com a maturidade. Brancos e tintos terminam suas vidas com a mesma cor. Como todo ser vivo, o vinho também nasce, cresce e morre. Daí o velho ditado popular que diz ser um vinha quanto mais velho melhor, ser absolutamente falso e desprovido de qualquer fundamento.

    Em seguida, verifica-se se o vinho é límpido, ou seja, se não tem partículas em suspensão. Uma leve agitação permitirá que o vinho escorra pelas paredes da taça, formando estruturas denominadas como arcos ou lágrimas. Quanto mais lágrimas um vinho mostrar e quanto mais finas forem, maior será o teor de álcool. A velocidade com que escorrem pelas paredes da taça indica a densidade do vinho, dependendo neste caso do extrato da quantidade de glicerol.

    Quando você parar de agitar o vinho, durante a queda das lágrimas, é tempo de começar a análise olfativa. Agitando o vinho, este se vaporiza e o resultado é uma intensificação dos aromas que se tornarão mais concentrados se a taça for mais estreita na sua porção superior.

    Podemos classificar os aromas em famílias: Florais – rosa, violeta, jasmim, acácia, etc. Frutado – cassis, cereja, amora, framboesa, ameixa, pêssego, limão, laranja, etc. Especiarias – pimenta-do-reino, cravo, canela, alcaçuz, noz-moscada, ervas, etc. Animais – caça, carne, pêlo molhado, couro, etc. Vegetais – palha, capim, feno, cana de açúcar, cogumelos, chá, fumo, etc. Minerais – solo vulcânico, petróleo, pedra de isqueiro, terra molhada, etc. Balsâmicos – resina, pinho, eucalipto, baunilha, etc. Químicos – odores da fermentação, fermento de pão, enxofre, esmalte de unha, cola de aeromodelo, removedor de esmalte, etc. Empireumáticos – alcatrão, tostado, defumado, caramelo, café torrado, piche, etc. Outros aromas – chocolate, mel, caixa de charuto, etc.

    Nos vinhos jovens predominam traços florais e de frutas fresca e/ou vegetais, que evoluem com o envelhecimento do vinho para aromas de frutas mais maduras, seca ou em compotas. Nos vinhos mais envelhecidos predominam aromas animais ou de decomposição. Nos vinhos brancos predominam aromas de flores e frutas brancas e amarelas tais como: lírio, jasmim, maçã, pêra, abacaxi, melão, pêssego, maracujá, etc. Nos vinhos tintos percebemos aromas de flores ou frutas vermelhas tais como: rosa, violeta, morango, cereja, framboesa, amora, groselha, etc.

    A última parte da degustação diz respeito aos aspectos gustativos, que abrange um conjunto de sensações gustativas, cutâneas e retro-olfativas. As gustativas revelam os sabores doce, salgado,ácido e amargo; as cutâneas nos dão sensações táteis de adstringência, maciez e untuosidade; as retro-olfáticas nos fornecem sensações odoríficas retro-nasais, que é o componente mais importante do gosto, pois é o que mais influencia o caráter e determina a qualidade do vinho. Leve a taça a boca e sorva uma quantidade suficiente para que o vinho possa percorrer toda sua boca. Mantenha o vinho dentro da boca por aproximadamente dez a quinze segundos, fazendo-o manter contato com as diferentes partes da língua que identificam as sensações gustativas.

    A seguir, mastigue o vinho vigorosamente para retirar do mesmo cada sutil matiz de sabor. Nesta fase avaliamos o corpo do vinho que está diretamente relacionado com o seu teor alcoólico e a quantidade de material sólido diluído em seu meio. Em seguida deglutimos o vinhos e passamos a avaliar sua persistência aromática, que é a duração dos aromas e sabores do vinho na boca, antes que estes diminuam de forma acentuada. Quanto mais prolongada for esta sensação, mas qualidade o vinho terá. Diz-se que um vinho tem persistência curta quando a duração for menor que 4 segundo, persistência média quando o tempo for de 5 a 7 segundos e persistência longa quanto for superior a 8 segundos.

    Após a deglutição do vinho, expire lentamente através da boca e do nariz. Isto fará com que os aromas atinjam o bulbo olfativo pela via retro-nasal, prolongando os efeitos doas aromas por mais tempo. Você descobrirá que quanto melhor for o vinho, seus aromas residuais serão mais complexos, profundos e duradouros. Este é um momento sublime, de reflexão e comunhão, que só o vinho é capaz de proporcionar. Um grande vinho costuma ter aromas no retro-olfato diferentes dos aromas diretos. Quanto mais aromas novos surgirem, mais valorizado deve ser o vinho.

    Ao final da avaliação gustativa, deveremos ainda correlacionar todas as sensações percebidas, expressando um conceito de difícil definição, que é o de equilíbrio e harmonia do vinho. Estes conceitos são o resultados da complexa interação entre as substâncias que formam a estrutura do vinho, isto é, álcool, taninos, açúcares, extrato e ácidos. Quanto mais correta e equânime for a relação entre os elementos, melhor será o equilíbrio e a harmonia do vinho

    Para finalizar, lembre-se de que a degustação de vinhos deve ser encarada, acima de tudo, com um momento agradável e divertido de reflexão e melhor aproveitamento do vinho. Como diz Hugh Johnson: “Em um jantar, mais importante que escolher os vinhos é escolher as pessoas com quem jantaremos”.